Como dizer não

Por Marcelo Galuppo

Há palavras capazes de nos poupar de muito aborrecimento na vida, mas que poucos usam adequadamente. Uma delas é a palavra não. Trata-se de um resquício de nossa personalidade adolescente, vítima da síndrome da festa de quinze anos, quando nossa voz interior sussurrava: “Se eu disser não, não vão gostar de mim”. Aquele que pensa que dizer sim quando se quer dizer não é a melhor forma de se evitar um problema acaba ficando com dois problemas: quem não gosta de você vai continuar não gostando e você acaba com a obrigação de fazer algo desagradável, que custa caro, toma tempo ou que, na pior das hipóteses, é perigoso ou proibido. Se não bastasse, é mais fácil converter uma resposta negativa em resposta positiva do que o contrário, e por isso a prudência pede que digamos não, se não nos for dado tempo para refletir mais sobre os bônus e os ônus de um pedido.

Pensando nisso, tentei imaginar como os filósofos teriam nos ensinado a dizer não (a ideia não é muito original, adapto-a de Umberto Eco, que imaginou como teriam respondido à pergunta “Como vai você?” – Platão teria dito “Idealmente bem”, enquanto Kant teria reclamado que “a coisa está crítica”).

Para propostas que, de antemão, se sabe serem roubadas, como convites para noitadas regadas a drinques de cor e nome duvidosos, com falta de banheiros limpos e gente demais sem lugares suficientes para sentar-se, René Descartes sugeriria que se respondesse: “Só se eu suspender meu juízo…” Quem faz esse tipo de convite dificilmente leu as Meditações de Filosofia Primeira ou mesmo o Discurso do Método, e vai ficar sem saber se a resposta foi sim ou não, deixando-o em paz por ora.

A pedidos de participação em situações constrangedoras (para quem pede, para quem, por despautério, aceita, ou para qualquer outra pessoa), a melhor resposta seriadada por Freud: “Meu superego não deixa”. Desta vez, mesmo que tenha passado todos os quatro anos da faculdade longe de qualquer livro, é improvável que a pessoa nunca tenha ouvido falar da psicanálise e que tenha uma leve noção de que a recusa é acompanhada de desaprovação moral.

Se o problema for a oferta de planos de internet ou de clubes de vinho, dietasrevolucionárias ou pedidos para participar de correntes milagrosas, pirâmides financeiras ou grupos de whatsapp da família, a estratégia de Sócrates seria a melhor. Responda com uma pergunta: “Por que deveria fazer isso?”  A estratégia, no entanto, é complexa: para cada resposta que for apresentada, é preciso formular uma nova pergunta que dela derive, tantas vezes quantas forem necessárias, até que a pessoa se esqueça do que ofereceu ou pediu.

Caso se trate de uma chamada realizada por um desconhecido pedindo os dados de sua conta bancária e sua senha, garantindo que toda a ligação estariasendo gravada e que isso evitaria que se efetivasse a compra de R$ 3.800,00 que fizeram em seu cartão de crédito (que você nem sabia que possuía), respondacomo Nietzsche responderia: “Ah, um novo ressentido, tentando exercer poder à sua maneira! Quanta fraqueza disfarçada de astúcia…” Como eles não têm um protocolo para responder nesse caso, já terão desligado à altura da palavra “poder”.

Para convites ou pedidos abusados de um chefe sexista a uma funcionária, seriapreciso evocar Simone de Beauvoir: “Não nasci para ser a contingência de sua conveniência”. O mais provável é que esse chefe seja da turma de universidade do rapaz que sugeriu o drinque azul com nome de coisa que só se faz entre quatro paredes e não compreenda direito o que você disse, ocupando-se pelo resto do dia em tentar entender. Mas se ele tiver lido dois ou três livros na vida, irá ruborizar, pedir desculpas e ir embora, deixando-a em paz.

Se nada disso funcionar, resta sempre a atitude minimalista. Responda com um sorriso no rosto (que desconcerta quem faz o pedido indecoroso): “Não!”. Não é não, e ninguém precisa explicar (a não ser que o pedido venha de Alexandre de Moraes).

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