Muito antes de ser aplicada à ética e à política, a palavra corrupção designava atransformação na substância de um ser que leva à sua destruição. No ser humano, esse uso está ligado a sua morte. A matéria se decompõe, e nisso consiste a corrupção. Foi apenas com Maquiavel que o termo passou a indicar a deterioração das bases da políticapor meios estranhos a ela.
Para muitos, o valor moral de uma ação depende de seus resultados: a mentira é má se gera dano, como no estelionato, mas pode ser boa se evita sofrimento. A corrupção seria má se produzisse um resultado ruim. Ocorre que a corrupção já foi usada para fins considerados positivos. Abraham Lincoln teria subornado parlamentares para aprovar a abolição da escravidão em 1863, nos Estados Unidos. Por isso, pensar a corrupção em termos morais pode ser difícil.
Vista de modo estritamente formal, sem juízos de valor, a corrupção é nociva não por ser “certa” ou “errada”, mas porque enfraquece a capacidade do direito de organizar racionalmente a política. Ainda que saiba que existe uma via instituída pela lei para se fazer algo, o corrupto opta por outra, proibida, porque é mais fácil do ponto de vista institucional ou mais vantajosa do ponto de vista pessoal, que não se submete ao controle público que caracteriza os governos nas democracias modernas.
A corrupção institucional pode ser definida de duas formas. Uma definição essencialista forneceria os elementos que a caracterizam e que permitem transferir o conceitos para o mundo social. O Dicionário de Política de Norberto Bobbio, por exemplo, diz quecorrupção é “o fenômeno pelo qual um funcionário público é levado a agir de modo diverso de padrões normativos do sistema, favorecendo interesses particulares em troco de recompensa”.
O problema é que a política lida com dinâmicas que antecedem qualquer definição legal. Por isso, a prudência recomenda definí-la através do recurso apenas à extensão do uso do conceito, indicando em que situações se diz que alguém é corrupto. Todos concordariam que pagar a alguém para que aprove projetos de interesse do governo é corrupção, mas dificilmente diríamos que distribuir cargos aos partidos para consolidar a base legislativa de um governo o seja.
A diferença está em que, no primeiro caso, a pessoa está recorrendo a um elemento externo, o dinheiro (que pertence à esfera do mercado, e não da política), para conseguir o que deseja, enquanto a distribuição de cargos é um fenômeno interno à política (e, por isso, considerado legítimo). A fronteira, contudo, nem sempre é nítida: candidatos buscam apoio de líderes religiosos esperando que sua autoridade se converta em votos. Trata-se de influência externa à política, mas dificilmente classificada como corrupção.
É difícil, portanto, definir em termos absolutos o que é corrupção, e aquilo que uma sociedade considera ser o mecanismo normal da política, outra considera intolerável. A questão, então, não é determinar se uma sociedade deve aceitar a corrupção, mas que medida e que tipo de corrupção uma sociedade pode aceitar.