Autoconhecimento e felicidade

Por Marcelo Galuppo

O filósofo Immanuel Kant afirmou que a felicidade consistiria em o mundo ser exatamente como gostaríamos que ele fosse. Ganhar na Mega Sena tantas vezes quantas nela jogarmos, não precisar trabalhar, estar junto de quem se deseja, ter tempo livre, não precisar trabalhar… Desejamos tudo isso porque vemos a promessa da felicidade em cada um desses desejos. Os desejos são causa de frustração, às vezes porque não conseguimos realizá-los, às vezes porque realizá-los não preenche o vazio de nossa existência, e passamos a desejar outras coisas, porque o futuro não cumpre as promessas de felicidade que a vida nos fez no passado.

É por isso que muitos recorrem à filosofia, esperando que ela lhes forneça a fórmula da felicidade. Mas o problema é que aquilo que torna alguns de nós felizes é exatamente o que torna outros profundamente infelizes (pense em um casal que se separa, e que, para uma das pessoas, aquilo é libertação, enquanto para outra é o momento mais infeliz de sua vida). Não existe uma fórmula para se alcançar a felicidade porque não existe uma única maneira de sermos felizes. Ainda assim, a filosofia oferece um caminho para quem busca a felicidade, o autoconhecimento.

A literatura de autoajuda tomou posse dessa palavra e a esvaziou de seu sentido, mas, desde sua origem, a filosofia foi sempre um esforço de autoconhecimento. De Sócrates, que afirmava que nada sabia, à Filosofia Analítica de Russell e Wittgenstein, que ensinava que o modo como usamos a linguagem frequentemente nos ilude, passando pela ideia de autenticidade, de Nietzsche, e de crítica, em Kant, a filosofia nunca se preocupou em fornecer a resposta correta, mas em prover as perguntas que podem transformar nossa vida no que ela deveria ser.

Pense, por exemplo, em Epicuro. Certa vez um de seus discípulos, Pítocles, perguntou-lhe como enriquecer. Epicuro respondeu: desejando menos. Epicuro não via nenhum problema na posse de bens materiais, nem mesmo na posse de bens de luxo. Possuir um Iphone 17 não faz de ninguém melhor ou pior que outras pessoas. Em primeiro lugar, porque nada que integra o mundo físico é bom ou mau em si mesmo: apenas nossas ações são boas ou más. Mas Epicuro pensava que a troca que fazemos para comprar um bem de luxo é que talvez não valha a pena: trocamos nosso tempo livre e o convívio com nossos amigos e nossa família por horas de trabalho para adquirir algo que, no final das contas, não irá nos fazer felizes. Administrar os desejos é ordená-los em função daquilo que realmente faça com que percebamos o valor da vida.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Mais artigos

Necropoder e o espetáculo da Guerra

A natureza é marcada pela aleatoriedade e pela indiferença, condenando os animais ao presente. A política, ensinava Aristóteles, permitiu ao ser humano superar esse destino biológico e criar hierarquias de valores. Hoje, porém, a civilização revela sua falha quando a política transforma a violência em técnica e objetivo. Achille Mbembe chamou isso de necropolítica: o poder de decidir quem vive e quem morre, instaurando mundos de medo e “mortos-vivos”. No Brasil, sua lógica se mostra nas operações policiais, na exibição pública de armas e cadáveres, e na produção cotidiana do medo.

Leia mais »

Autoconhecimento e felicidade

A felicidade não é uma fórmula universal, mas uma busca singular. Kant lembrava que desejar um mundo exatamente como queremos só nos leva à frustração. A filosofia, de Sócrates a Epicuro, não promete respostas prontas, mas perguntas que transformam. Descobrir o que realmente importa — e ordenar os desejos em função disso — é o verdadeiro caminho do autoconhecimento.

Leia mais »

Aristóteles assiste a Vale Tudo

Aristóteles criou as regras da boa trama — mas, se visse a nova Vale Tudo, desligaria a TV. Em vez de heróis e catarse, sobrou um elenco de cínicos perdidos num enredo sem alma. A novela virou o retrato perfeito de um tempo em que ninguém aprende nada — e tudo soa falso.

Leia mais »

Inscreva-se

E receba meu conteúdo em primeira mão.